1. |
Poesia De Um Mau Momento
05:16
|
|||
O sopro frio de um coração gelado
Onde sentes o apertar da manhã tépida
Sentes o caminhar aleatório das nuvens perdidas sobre a tua cabeça
E sentes-te renascido e morto ao mesmo tempo
Adormeces a pele com um café morno e um cigarro
Cheiras mal da noite anterior, tabaco, álcool e mijo
Pouco te importa, a vida não é tua, apenas o cheiro
Acordas e pouco mais
Abres a janela para ver como está o tempo
É a poesia de um mau momento
Quem sou eu
Quem és tu
O que interessa
Quem morreu
Serei eu
Serás tu
O corpo hirto e nu
Vestes a roupa apressadamente que te tens de ir
Ao final do dia, voltas a vestir o fato de treino
Televisão, masturbação, hipnotizar o gato, estender a roupa
Afiar a faca que te irá abraçar no teu último suspiro
Que preferes a dor ao amor
O sofrimento ao esplendor
O preto ao colorido
E na dança convulsa dos nossos corpos moribundos
Agarrar a tua mão e sentir-te, morta e ainda a respirar
Deixar-te no chão, tratar-te como excremento
É a poesia de um mau momento
|
||||
2. |
A Chuva
04:44
|
|||
É a chuva que nos bate sobre a cabeça
No eterno precipitar de aurora
No faminto deslocar de emoções para outro fora de nós
Sacudir as chamas vazias do eco que paira no ar
Passar a língua pelas mãos, sentir que… enfim… já não demora
E no crepitar da chama de uma lareira – dormitar, meia hora
Enterrados estão os mortos no nascer do dia
Espalhados em campas por esses campos fora
Sentir a alegria no abismo da alma
Que é fina a fronteira entre o vazio e a calma
Torna-se claro passado algum tempo
Que somos mais do que aquilo que sabemos
E que sabemos nós?
É o nervoso que te dá o arrepio
No transbordar das emoções mais lúcidas
No respirar de manhãs escuras e chuvosas
Onde o mar se revolta na praia
Onde o céu não se acende no escuro
E são esses momentos que deslocam o universo
Colocam-te mais perto daquilo que sentes
Que o sentimento remói o destino com mãos de menino mimado
Pisas o chão sagrado com os pés meio dormentes
Que a terra está fria – o corpo não está habituado
Segundo novas informações do meu corpo, não sou quem deveria ser
Estou no lugar de outro alguém, com as mãos encostadas à parede
E no meio da fome e da sede, não há corpo que não transborde de emoção
Os pensamentos vão escoando de mão em mão
Pelas ruas de cidades tempestuosas
Pelos abrigos onde se escondem magotes de gente molhada
Cabelo escorrido, olhos brilhantes, pés assentes na terra
Do outro lado do mundo eclode nova guerra
A de homens que lutam pelo ouro irmão
Pela chuva que cai neste chão, nesta casa, nesta terra
E todos os tesouros que ela encerra
Na dignidade de uma rocha porosa espetada em cima de uma montanha onde não chegam senão os pássaros
Rivais eternos num majestoso ritual de acasalamento
Fêmea por cima, macho por baixo
Que cada um serve para o que for
São estes os ferros marcados do amor
Torna-se claro passado algum tempo que estamos deslocados de nós próprios
À deriva na imensidão de um mar salgado, esqueço-me agora de quem fui
De quem era ou queria ser
As palavras ocas que costumava soltar ao vento
As lágrimas moles e vazias onde flutuam tristezas e alegrias
Sacos rotos e diamantes
Minúsculos duendes e gigantes
Adivinhos de sangue mole e venenoso
Adamastores de alcatrão sujo e viscoso
Por onde nadamos com a dificuldade natural de quem nasceu para ser forte
Para resistir ao vento e ao frio
No meio da imensidão sepulcral de um desfeito navio
Mas nunca ao abismo incontornável de uma água turva
No fim de contas, sentir como nos batem nos pés
As minúsculas gotas de chuva
|
||||
3. |
O Deserto
08:17
|
|||
O deserto queima a testa suada
Como quem atravessa para o outro lado da estrada
O deserto queima os olhos e a pele
Não corras por aqui
Corre por outro lado
Caminho sobre um mar de escorpiões nas planícies desertas de África
Com a pele a estalar, a garganta seca, as mãos hirtas e dolorosas
Comi mãos cheias de areia por não aguentar mais a fome
Agora sinto-me desfalecer com sede
Evapora-se da boca a pouca saliva que me resta
E o suor que me cai da testa para a língua é salgado
Sinto-me sufocado nesta caminhada sem futuro
Tenho na areia um muro impossível de saltar
Uma parede de betão armado, com espigões de ferro apontados ao coração
Dobro os dedos, estala-me a pele da mão
Solto um grito abafado, silencioso
Manifesto-me apenas pelo meu andar pesado e vagaroso
Andar sem rumo, caminhar aleatório, que será feito de mim
Se depois de tantas voltas reparar que já passei por aqui
Resignado a morrer em sofrimento, deito-me agora no chão
À espera de ser abençoado pela morte rápida do picar de um escorpião.
|
||||
4. |
Belzebu Badalo
02:17
|
Landfill Portugal
Landfill foi um projecto a solo de Daniel Catarino, também responsável pelos projectos Oceansea e Long Desert Cowboy, membro
das bandas Uaninauei, Bicho do Mato, Cajado, Ao Lado, O Rijo e Alentexas.
O trabalho recente de Catarino pode ser ouvido aqui: danielcatarino.bandcamp.com
Landfill was a project by Daniel Catarino, who also released music as Oceansea and Long Desert Cowboy.
... more
Streaming and Download help
If you like Landfill, you may also like:
Bandcamp Daily your guide to the world of Bandcamp